sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Estudante de Direito na época da Ditadura militar relata emocionado a vida dura dos estudantes na época.

  • Lucia Gonzalez e Rose Nunes

           J.S. (nome fictício), 70 anos, brasileiro e advogado, cursou Direito na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ) entre os anos de 1967 a 1971. Concluiu o curso de Direito, mas nunca mais se esquece dos anos de terror em que os brasileiros sofreram com a ditadura militar.
             O Brasil estava mergulhado em pleno regime militar que durou mais de 20 anos - desde o golpe militar, em 1964 (quando depuseram o presidente João Goulart), até 1985 quando o primeiro presidente civil eleito por voto indireto foi escolhido para governar o país. O presidente Tancredo Neves veio a falecer, sendo sucedido pelo seu vice-presidente, José Sarney, que acabou assumindo a presidência.
              Segundo J.S., “o ano de 1967 foi barra pesada”, diz pensativo. Quando entrou para a faculdade já era casado, tinha duas filhas pequenas e trabalhava em seu próprio escritório de consultoria. “À noite, como estudante de direito, tinha que andar na linha”, segundo suas palavras, para não correr o risco de ser acusado de envolvimento com movimentos de esquerda, preso e torturado, apenas por estudar numa faculdade e ter colegas de turma que faziam parte dos movimentos de resistência ao governo militar (VPR, FLN, UNE etc.). Porém, o Governo Médici (1969 a 1974) foi o pior da ditadura militar.
              J.S. relatou que durante os anos de 1967 e 1968 praticamente não teve aulas, já que ocorriam vários comícios na cidade do Rio de Janeiro, com a participação inclusive de alguns alunos de direito, levando a suspensão das mesmas.

J.S. - "Em 1969, nas faculdades, inclusive na de Direito, existiam oficiais das forças armadas infiltrados nas salas de aula, cursando Medicina, Jornalismo, Direito etc, oriundos dos Centros de Informações das Forças Armadas – CIE do Exército, SISA da Aeronáutica e CENIMAR da Marinha – apenas com a finalidade de observar os movimentos estudantis e revolucionários, delatando os supostos membros dos mesmos. Alguns alunos desconfiavam desses novos colegas, já que entraram no meio do curso e ninguém sabia da procedência deles. Mas os ânimos dos mais exaltados e envolvidos nos movimentos estudantis acabaram ofuscando a presença desses dedos-duros, que se aproximavam dos estudantes e até mesmo professores, apenas com a intenção de identificar os supostos subversivos e comunistas – segundo os militares da época – sendo presos torturados e até mortos, porém muitos nem faziam parte de movimento nenhum de esquerda”. 

            Mais tarde, J.S. teve a confirmação de que um de seus colegas de turma era um General de Brigada e veio do Rio Grande do Sul estudar na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, para se infiltrar no CACO (Centro Acadêmico Cândido de Oliveira), especialmente com essa missão de identificar os componentes dos grupos que faziam oposição ao governo militar.
             Eram anos difíceis e muitos foram presos injustamente, sem o menor critério de avaliação do histórico da pessoa que os componentes do DOI-CODI ou DOPS resolviam prender. A paranóia era tão grande que esses agentes suspeitavam de tudo e de todos.
 
J.S. - Não podia se envolver, pois se a pessoa se envolvesse acabava sumindo do mapa. Muitos foram mortos, outros exilados e outros tantos continuam desaparecidos até os dias de hoje. Houve baixas de ambas as partes, do lado dos militares e do lado dos militantes, mas acredito que as baixas por parte dos presos políticos foram em maior número, sendo que muitos só estavam lutando por um ideal e chegava a ser uma luta desleal, de David contra o gigante Golias, já que os militares tinham muito mais aparato e subsídios para fazer o que fizeram”.

              Outros colegas de turma, que tiveram a patente militar cassada (Almirante, Capitão de Mar e Guerra etc.) por envolvimento com movimentos de oposição ao regime militar, acabaram ingressando na faculdade de Direito com a intenção de prestar posteriormente o concurso público como advogados. Porém mesmo passando, não podiam assumir o cargo devido ao seu histórico reprovado pelos militares a favor do governo, sendo perseguidos para o resto da vida, presos e até torturados.
               A perseguição aos estudantes, jornalistas, artistas e militantes era grande nos anos de 1969 a 1974, nos quais a prática de tortura foi praticamente oficializada pelo Governo Médici, para obter a confissão dos presos. J.S. afirma que os militares não aliviavam ninguém.

J.S.“Por outro lado, muita gente da minha turma de Direito estava envolvida nos movimentos revolucionários e de luta armada contra o regime militar. Para se ter uma idéia, parte dos presos políticos libertados e banidos para a Argélia, em troca da liberdade do Embaixador da Alemanha eram ex-colegas de turma da faculdade e outros foram presos, torturados, além de alguns desaparecidos”.

             Os artistas e políticos da época que não concordavam com o regime militar e foram perseguidos, tiveram que se refugiar em outros países ou foram na condição de exilados para o Chile, Uruguai, Cuba e até mesmo Europa. Dentre eles Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Leonel Brizola, José Dirceu, César Maia, Vladimir Palmeira etc. Os que ficaram por aqui foram presos, torturados, muitos deles mortos e alguns desapareceram.

J.S. “Muitas vezes a pessoa não tinha nada a ver com tudo isso, mas bastava ter em casa um livro, um jornal, um panfleto, uma fita K7 ou qualquer coisa que fosse considerada subversiva pelos militares, que a pessoa era presa, colocada dentro de um camburão preto, sem identificação nenhuma e conduzida para averiguações, sendo que em alguns casos desaparecia da face da Terra. Esse tempo me lembra muito o tempo da Inquisição. Um verdadeiro terror!

               No Governo Figueiredo (1979 a 1985) foi aprovada a Lei de Anistia, permitindo o retorno de milhares de exilados políticos, ao Brasil, concedendo o perdão a ambos os lados: aos presos políticos que cometeram crimes políticos e aos militares que participaram das ações repressivas, prisões, torturas etc.
               Alguns militares mais radicais não concordaram com o fim da ditadura e promoveram atos terroristas como cartas-bombas deixadas na OAB, ABI, bancas de jornal e o mais famoso caso da bomba que explodiu durante o show do Riocentro.

J.S. “Muita gente exilada voltou ao país com a aprovação da Lei da Anistia, porém alguns voltaram ainda receosos e com certeza não eram mais os mesmos. Os atos bárbaros cometidos pelos militares da época ficarão marcados para sempre em seus corpos e principalmente em nossas memórias. Após ter me formado em Direito perdi o contato com colegas que sei que foram presos e soltos posteriormente, outros nunca mais os vi. Desapareceram completamente, sem deixar o menor vestígio, para a infelicidade dos familiares e dos amigos que não puderam enterrá-los”.

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