domingo, 26 de setembro de 2010

Estandarte vivo da Ética


  • Por Lucia Gonzalez e Rose Nunes
Estanislau Alves de Oliveira, 74 anos, nasceu em Recife e graduou-se em contabilidade, porém tornou-se jornalista nos anos 60 após estagiar durante dois anos na área de esportes da Rádio Clube de Pernambuco e fazer uma prova para obter o registro da profissão, conforme a lei permitia na época. Após trabalhou no jornal Última Hora, de Recife e em 1964 veio para Rio tentar trabalhar como jornalista, fugindo da repressão que sofreu por lá, mas não conseguiu ser aceito em nenhum jornal. A salvação foi trabalhar como contador durante 10 anos, só voltando ao jornalismo no final da década de 70. Trabalhou no O Jornal, Diário de Notícias, O Dia, O Globo, Jornal do Brasil, além dos departamentos de rádiojornalismo da Rádio Globo, Rádio Tupi e Rádio Mauá. Atualmente é diretor administrativo da ABI e faz parte do Conselho Deliberativo da mesma.
Do tempo em que jornalismo era um dom, Estanislau conversou com a nossa equipe sobre história, postura jornalística e ética na profissão.

Foca Entrevista: Segundo o código de ética do jornalista, o profissional tem compromisso com a verdade dos fatos?
Estanislau de Oliveira.: A ética do jornalista é um compromisso fundamental e se por acaso não houver a ética o jornalista tem que responder. Todo jornalista consciente não abre mão da ética. A verdade dos fatos. Tanto que nós temos um ABC do jornalismo, nós ouvimos as partes quando há uma denúncia: o denunciante e o denunciado. A ética manda isso.

F.E.: Você denunciaria um colega seu, em prol da ética da profissão, se soubesse que ele plantou um fato que não aconteceu na realidade?
E.O.: Claro que sim. Denunciaria o colega, porque não? Se fere princípios, sobretudo da dignidade. Não tem que ter corporativismo. Tem que ser denunciado sim. Há muitos exemplos de denúncia desse tipo.

F.E.: Você omitiria algum fato de interesse público para beneficiar algum amigo ou parente seu?
E.O.: Não, de forma alguma. É o seguinte, o jornalista é, sobretudo, um prestador de serviços à opinião pública. Não pode haver nepotismo. De forma alguma, não! O profissional que faz isso se arrisca e fere o código de ética.

F.E.: As “derrapadas” éticas da imprensa podem ser justificadas pela pressa que normalmente ocorre na atividade do jornalismo?
E.O.: O homem é inerente ao erro; é inerente à derrapadas e nem sempre pode ser justificada pela pressa. Evidentemente que existem as derrapadas propositais.

F.E.: Onde ocorrem os maiores desvios éticos da imprensa, na edição ou na apuração?
E.O.: Na apuração, com certeza. Se bem que existem também casos de má edição, na hora de fechamento, de corre-corre, pode acontecer. Mas, na maioria dos casos, se dá na apuração.

F.E.: Na sua opinião a ética nasce com a pessoa ou é formada ao longo da vida?
E.O.: Eu acho que isso é muito pessoal. É como um dom. Tem pessoas que não tem nenhum compromisso com a ética, não tem. Aí envolve talvez a sua formação como pessoa, a estrutura familiar, talvez a religião também. A ética tem essa facticidade. É engraçado, você vê pessoas muito humildes morando na favela que tem muito mais ética, muito mais dignidade do que esses medalhões aí.

F.E.: A ética do jornalista é a mesma do cidadão comum?
E.O.: Não. Porque, veja bem, o jornalista tem um compromisso, ele escreve pra milhões de pessoas; ele tem que ter uma ética mais apurada que a do cidadão comum. É muito mais grave um jornalista fugir de sua ética do que um cidadão. O cidadão comum, sem ética, prejudica alguém. O jornalista prejudica a milhões.

F.E.: O livre exercício da profissão é tão livre assim ou existem diferenças entre teoria e prática?
E.O.: No Conselho Deliberativo, nós estávamos debatendo isso, a questão da liberdade de imprensa. A rigor, a liberdade de imprensa não existe. Liberdade de imprensa, pro dono do jornal, existe sim. Tanto que o jornalista, pra empresa em que ele trabalha, não tem a sua liberdade plena. Eu, por exemplo, já tive matérias minhas apuradas, em que ao chegar à redação, não foram publicadas porque havia os interesses financeiros de anunciantes. Aconteceu com um colega meu, do jornal O Dia, quando houve há muitos anos atrás um incêndio no depósito da Brahma, onde é a prefeitura hoje em dia. Houve um incêndio e morreram dois operários. Toda a imprensa foi cobrir, todo mundo escreveu. No dia seguinte não saiu uma linha de ninguém, em nenhum jornal. Em compensação, saiu uma folha inteira de publicidade da Brahma. Isso, numa democracia capitalista, é quase impossível o jornalista ter a sua liberdade. Quando tem é quando ele vai escrever pra um jornal de bairro, por exemplo. Fora isso, não tem.

F.E.: E esses jornais alternativos?
E.O.: Esses são mais livres. Inclusive nós estamos defendendo mais verbas de publicidade oficial, porque há mais confiança no jornal alternativo do que nos jornais da grande imprensa.

F.E.: Você publicaria uma matéria, obrigado pelo seu superior, divulgando detalhes pessoais de alguém, caso prejudicasse aquela pessoa?
E.O.: Não publicaria, de forma nenhuma. Nesse caso a gente sabe que tem jornalistas que até sacrificam o emprego e não o fazem. É evidente que há exceções, mas há jornalistas que perdem o emprego, mas não se submetem a isso, de forma nenhuma.

F.E.: Até que ponto a privacidade de alguém pode ser invadida em prol de uma matéria jornalística?
E.O.: Isso que se faz por aí fere os princípios (paparazzi). A sua privacidade está na Constituição do país. O direito a sua privacidade também, por que não? A não ser em caso de uma denúncia. Deve existir aquela barreira. É a questão da consciência. Se a pessoa sabe que não quer falar por algum motivo ou porque vai ser prejudicada isso deve ser respeitado.

F.E.: Na sua opinião a sociedade pode acreditar na imprensa?
E.O.: Em tese, sim. É aquele negócio, existe aquela frase: “no mundo do relativo não há lugar para o absoluto”, “a arte de crer é a arte de duvidar”. Mas é fácil você perceber no seu dia-a-dia uma inverdade da imprensa. Aquela informação que você sente na pele e logo diz que há alguma tendência. Em princípio o jornalismo sério será isso. Um dia será. A ABI luta há mais de 100 anos. A gente está aqui para isso.

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