domingo, 2 de outubro de 2011

PROFISSÃO: FIGURANTE

Por: Tiago Ribeiro

Vera Rosa sendo maquiada (1) e pronta para entrar em cena (2), para um comercial
                                
             Cangaceiros, aeromoças e strippers num mesmo lugar. Este tipo de encontro inusitado é dos mais comuns na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Nesta região estão localizados o Projac e o RecNov, complexos de estúdios da TV Globo e Record, respectivamente, onde são produzidos os programas e novelas destas emissoras. Com a vasta programação gravada diariamente, e conseqüente variedade de perfis dos personagens, é comum ver curiosos encontros de figuras advindos de eras e locais diferentes, sob mesmo espaço.
            Neste “ambiente globalizado” destaca-se a função do figurante, ou seja, o personagens anônimo, que serve para compor o cenário. De maneira mais objetiva, trata-se do material humano de cena, que não fala e que não exige estudo dramático. Estas pessoas são encontrados nos mais variados programas de uma emissora, recebendo pagamento não só para dar volume das cenas de novelas, como também para compor platéias em programas de auditório e dar risadas em humorísticos. O trabalho, que a primeira vista parece um complementador de salário, assume hoje o caráter de profissão, sustentando muitas famílias.
Luiz Albergoni (à direita), entre amigos, na gravação
 da novela Cordel Encantado, da TV Globo
            Por toda a cidade não são raros os casos daqueles que sobrevivem exclusivamente dos trabalhos como figurante. Luiz Albergoni, de 23 anos, veio de Curitiba, em novembro do ano passado, para passear no Rio de Janeiro e encontrou na atividade, um meio de se manter por aqui. De uma hora para outra resolveu ficar na cidade e não parou mais de gravar, hoje paga todas as suas contas através da figuração: “Quando vim pro Rio, precisava de dinheiro rápido. A figuração foi a única opção que me ocorreu no momento, então procurei as agências (contratadas pelas emissoras para selecionar os figurantes) e fui fazendo cadastro. Levei sorte porque na época estavam precisando de pessoas no meu perfil, então não foi difícil entrar na roda”.
            O curioso desta profissão é exatamente isso: a questão do perfil. A figuração surge como um ofício dos mais democráticos, que “emprega” pessoas dos mais variados aspectos, de crianças a idosos, das mais bonitas às personas mais estranhas, todo o tipo de gente, que encarna variados personagens: favelados, modelos, executivos, soldados romanos, entre outros. A função ainda atrai aqueles que desejam, apenas, se aproximarem dos seus artistas preferidos. O interesse em ser figurante é tão grande, que existem casos de adolescentes que se emancipam para evitar a perda de trabalhos, já que os menores de idade só podem gravar acompanhados de seus responsáveis.
            Segundo os profissionais desta classe, os cachês diários variam, atualmente, de R$ 44 até centenas de reais, o que faz o salário mensal oscilar muito. Luiz Albergoni, por exemplo, afirma que já teve um mês em que ganhou apenas R$ 590, já em outro, embolsou R$ 1420. Segundo ele, ao garantir 20 gravações mensais, ele já consegue ficar tranqüilo. Para garantir mais dinheiro, Luiz ainda tenta adequar seus horários para gravar mais de uma vez por dia, o que nem sempre é possível, já que as gravações não têm hora exata para terminar. Vale lembrar, que os cachês são pagos à vista ou em até dois meses, e que, na maioria das vezes, é recolhido 11% do salário para depósito do INSS.
            Alias esta é apenas uma das características desta nova profissão, que é recheada de pontos positivos e negativos: primeiramente, esta não e uma ocupação com vinculo empregatício, o que não concede direitos de folgas remuneradas, férias, planos de saúde e odontológico, nem mesmo transporte (exceto no caso de gravações durante e madrugada). Por outro lado, os horários são flexíveis, as emissoras concedem alimentação e o trabalho não exige grandes esforços intelectuais, tão pouco físicos. Uma profissão em que, aparentemente, o único pré-requisito é ser paciente, já que os pagamentos são referentes a trabalhos de até 12 horas.
            Neste meio, entre tantas personalidades interessantes, se destaca Vera Rosa. Viúva, de 65 anos, sem filhos, Vera decidiu não passar o resto da vida sozinha, no seu apartamento em Copacabana e resolveu entrar na figuração. Além de gravar pelas TVs Globo e Record, a aposentada se divide entre desfiles, eventos, figurações em filmes e comerciais. Tudo começou em 2002, quando Vera gravou a novela global “O Beijo do Vampiro”, seu primeiro trabalho como figurante. “Eu estava de licença médica, por conta de uma tendinite. Aí minha fisioterapeuta falou pra mim assim: ‘a senhora tem tipo de gringa, porque não vai fazer figuração? Não ta fazendo nada...’ aí ela me deu o primeiro contato, eu fui e não parei mais” e completou: “Esse trabalho é um bico e uma distração”.
            Quando a pergunta é sobre o que viu acontecer no setor ao longo dos anos, a veterana não é muito otimista: “Continua a mesma coisa, não mudou nada. O salário aumenta dois reais por ano!”. Por outro lado, Vera Rosa aponta o caminho para os interessados na função: “Comercial é que se ganha bem, em comercial se tira um bom dinheirinho”. E é nesta área que ela tem deslanchado. Como em filmes e comerciais não é exigido o famoso DRT (registro profissional de ator), Vera, que não tem formação como atriz, consegue o que não é possível na TV: fazer parte do elenco e abocanhar os cachês mais altos, conseguindo até R$ 3,000 por trabalho.
            Ainda nas figurações, se vê o caminho inverso: a presença de muitos atores levando a vida de figurante. Como não conseguem se firmar no ofício de ator, eles enxergam na figuração uma oportunidade de pagarem suas contas, de estar próximo à área em que escolheram para viver e de não se prenderem a um emprego fixo - o que poderia impossibilitar a participação em testes de elenco. Uma questão interessante é que muitos atores não gostam de ser reconhecidos como figurantes, pois se sentem inferiorizados. Talvez, isto seja fruto da fama do tratamento peculiar recebido por estes profissionais, que seria aquém do adequado, e pelos boatos de que fazer figuração “queima o filme” dos atores.
            Entre prós e contras Luis Albergoni, faz seu curso de teatro, na esperança de seguir os passos de Bruno Gagliasso, Vanessa Giácomo e tantos outros ex-figurantes que alcançaram o sucesso. Ao mesmo tempo em que Vera Rosa prova que ficar em casa esperando a vida passar é para quem quer. Entre luzes, takes e câmeras, estes profissionais vão vivendo e fazendo parte da vida de todos nós.

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